A casa como metáfora do espaço habitado.
(Exposição “Gravura.com”, Espaço Cultural Banco da
Amazônia/PA, 2003)
Montagem e exposição da serie “Diário das Sombras”
no
espaço cultural Banco da Amazônia.
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Abertura da exposição “Diário das Sombras”
no
espaço cultural Banco da Amazônia.
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Biomassa significa “um conjunto de
substâncias orgânicas encontradas em um determinado lugar” (HOLANDA, 2000,
p.302). As biomassas são transformadas em energia elétrica, através da queima
de substâncias orgânicas, gerando o que se chama de Bioenergia. Este foi o
ponto de partida para a construção da obra “Diário das Sombras”.
Esta obra se constitui em uma instalação,
composta de cinco caixas de madeira, encontradas no Laboratório de Mecânica da
UFPA, e que originalmente serviram para o transporte de peças vindas da Índia,
para a construção de uma caldeira que seria parte de uma máquina de bioenergia.
Durante o período do curso de arte na UFPA, recolhi sete caixas destas e uni
cinco delas a uma série de xilogravuras que transportam imagens de projeções de
minha casa. Assim nasceu a obra. As duas caixas restantes, posteriormente,
serviram de suporte para a construção de pinturas de outro trabalho.
A residência dos meu pais era a biosfera
responsável pelo desenvolvimento de parte de minha vida, um espaço habitado que
guardava em minha memória como um microcosmo social e existencial. Percebi
então que a energia solar seria o meio pelo qual iria obter uma leitura formal
da casa, através das sombras que eram projetadas pela luz do sol em partes da
arquitetura e fragmentos que pudessem simbolizar o dia-a-dia desta casa como,
por exemplo, um varal com cuecas penduradas.
A partir daí, cortei matrizes em madeira de
copaíba do tamanho exato da parte superior das caixas. Estas foram espalhadas
por partes da casa, a fim de que as sombras fossem projetadas em sua
superfície. Estas sombras deveriam coincidir com as faturas já existentes na
madeira, para que as mesmas pudessem revelar em seu conteúdo formal um jogo em
que os veios da madeira e as formas das sombras.
As caixas que outrora continham peças que
serviram para montar a máquina de bioenergia agora transportaram metáforas
simbólicas de um lugar. Minha leitura e percepção do espaço, neste momento,
eram ainda concentradas em um lugar comum como a minha própria casa. Minha
pesquisa poética era desencadeada a partir da busca pela análise do espaço
habitado que, para mim, era o centro de onde se irradiavam minhas primeiras
impressões psicológicas do mundo. A leitura da paisagem constituía a casa como
“núcleo gerador” de todas as outras impressões futuras. A técnica, a
partir deste trabalho, passou a ser utilizada enquanto linguagem; a ação mental
foi o fio condutor de todas as ações durante o processo criativo e da escolha
dos aspectos sociais e ecológicos dos elementos que construíram a obra.A
instalação não conseguiria a plena tradução desses conceitos.Para mim um fator
importante é que esta instalação seria exposta em uma agência bancária e
que, portanto, mais alto valor simbólico deveria ser apresentado ali.As
projeções de uma casa ou, como Platão já havia anunciado em seu célebre texto
“O Mito da Caverna”, nós vivemos dentro de uma caverna, onde as projeções
são interpretadas como a “realidade”. E esta seria uma outra metáfora da caixa:
elas contêm sombras de um lar. A energia e a forma foram construídas a partir
de projeções. Há uma lógica abstrata presente no resultado final da série
“Diário das Sombras”.
Quintal: 14h05min / xilogravura
( 227 x 78cm)
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Área externa 15h30min
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Varal: 13h30min /
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Varal: 12h45min
Fachada 09h35min
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Série Diário das
Sombras (Xilogravura impressa em papel arroz)
Essas gravuras são frutos de uma ação gráfica projetada pela luz do sol, fonte de energia natural. Minha casa
seria o objeto que revelaria suas formas através de sua representação na
sombra. Conceitualmente, podemos dizer que as formas das sombras foram
projeções originais da casa reveladas pela luz do sol, e que, portanto,
eram o fruto de uma relação espaço-temporal natural.
Outro aspecto importante é que as sombras
carregam consigo um elemento formal que constitui a base da xilogravura no
Ocidente, a oposição entre claro e escuro e sua contraposição de massas. As
sombras carregam consigo as formas dos objetos que foram iluminados, sendo
projeções ou impressões a partir de um original. Isso conduz ao raciocínio de
que as sombras podem, conceitualmente, ser uma gravura natural. O conceito de
matriz pode ser traduzido ou interpretado como o corpo do objeto iluminado e a
sua projeção uma impressão, proveniente da ação desta luz.
A escolha da técnica não parte apenas como
um exercício formal. Ela pode ser traduzida como a intenção de uma
representação ou de uma ação que já era presente no território dos acontecimentos
observados, isso fez com que esta técnica fosse utilizada como o meio que
serviria de tradutor intelectual desta ação. Portanto, a escolha da xilogravura
foi para abordar um conceito que poderia desencadear uma melhor apreensão do
fenômeno que incitou a construção da obra. “Diário das Sombras” se constituiu
como metáfora abstrata do espaço habitado.Segundo Bachelard, “a casa é um corpo
de imagens que dão ao homem razões ou ilusões de estabilidade. Incessantemente
re-imaginamos a sua realidade: distinguir todas essas imagens seria revelar a
alma da casa; seria desenvolver uma verdadeira psicologia da casa” (BACHELARD,
2003, p. 36). Para um melhor desenvolvimento da idéia, era necessário que
imagens fossem retiradas de pontos distintos da casa, como quintal, sala,
quarto, pátio, enfim, uma investigação espacial da casa, por suas sombras.
Objeto- Caixa diário das sombras - 2003 Fotografia: Miguel Chikaoka
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